terça-feira, 29 de março de 2011

não sejas púdica.

A tua historiazinha já correu o país. Desconfio até que o Correio da Manhã escreveu qualquer coisa sobre isso, mas na altura ninguém reparou, tal foi o escândalo que montaste quando o assunto se começou a espalhar - tu, constrangidíssima, ías corrigindo as versões que circulavam, acrescentando pormenores e risinhos. Desses teus risos estúpidos, de mostrar a garganta ao médico. Mesmo assim, tu tentas, com teatro e muita base, manter uma pose de senhora. E ficas pior. A esse teu arzinho rasco já estou habituada, ignoro. Mais ainda quando te vejo no engate, com aquelas frases baratas que saem nos chocolates, misturadas com coisas porcas do American Pie. E essa tua arte, que dizes ser reconhecida no estrangeiro (de tão corrida que és), só a vi funcionar com duas canecas de cerveja e uma outra pessoa igualmente desesperada. Foi um fogo que se pegou. E eu, na minha inocência de estar sempre no sítio certo à hora exacta, fui dar contigo (e com a outra) numa confusão de saias curtas e meias de lycra mal puxadas. Um espectáculo potencialmente agradável à vista, não fosse a banalidade da produção. Ficaste famosa quando o assunto, logo no rescaldo daquela bebedeira, se espalhou. Muito contente andavas tu nos teus 5 minutos de fama.
Por isso é que não faz sentido a tua nova conversa - que andas irritada com a alcunha. E, em mais uma das tuas míseras explicações, dizes que nós podemos usar (reconheces os autores, valha-nos isso), só não admites aos outros, porque não sabem. Mas, juro, eles sabem - toda a gente sabe. Então, não sejas ridícula. Quando eras porca-assumida tinhas mais sucesso. E eu até te achava piada - eras o conhecido caso de uma noite mal passada. Imagino que esta nova personagem te dê imenso trabalho: não consigo contar as horas que passas em casa, a desfilar de casaco pendurado nos ombros, as combinações de cores que fazes antes de sair à rua e muito menos o sacrifício de levar a mão à boca para disfarçar os risinhos. Eu, que nunca gostei de ti regularmente, tenho vindo a permitir o crescimento da tendência para não-gostar (mesmo). Mas o que ainda tem mais piada é que, quando leres isto, não vais perceber que é para ti, porque és uma Senhora. E hás-de ser, até uma noite em que alguém precise de ti.

terça-feira, 15 de março de 2011

quem faz um filho.

Na tarde de sábado, entrei as 14h para atender um pai que queria inscrever o filho. Foi só tratar dos papéis e marcar horário - o meu último furo livre, eis o fim dos meus minutos para café, depois do almoço. Depois disso os alunos vieram todos, até às 19:30h. O dia tinha começado cedo, com uma deslocação até ao Tojeiro, para apoiar com guitarra o semi-oficial Grupo de Jovens de lá. Em casa só agradeci à minha mãe o almoço e foi uma corrida para chegar a horas. Com isto, no suposto primeiro dia de descanso, chegaram as 17h (e a última aula de flauta) e eu já sem cabeça para as notas trocadas e o som irritante de quem está a aprender. Para aprimorar o dia, na última aula de iniciação musical, o senhor (que já tem 50 e muitos anos e mãos de pedreiro) apareceu, como se esperava, bêbedo. E a missão que, num comum sábado, é impossível (porque com aquela vida não há cabeça que decore as posições das notas) foi muito para além disso. Com esforço, aguentei a primeira meia-hora. Mas como não me pagam assim tanto, acabei a aula por ali, e que se lixe. Já estava a olhar para o relógio, na ânsia de não perder a abertura dos telejornais. A manifestação havia de ter sido uma coisa digna, em grande e em bom. Entrei casa-adentro, lancei os dossiers para a mesa e eu própria para o sofá. Já não apanhei a abertura, mas felizmente fizeram um 'especial-informação' que durou mais de dez minutos, com entrevistas às velhotas que tinham ido reclamar um futuro para as netas - até me apeteceu ligar à Maria Albertina a saber onde andaria! As reportagens correram o país todo, e eu sem acreditar que eles não tinham ido. Lá estavam os Homens da Luta, numa carrinha com colunas muito mal atadas. A guitarra do Falâncio foi de mão em mão, por Rui Veloso, Fernando Tordo e Vitorino. E eu a bater palmas no sofá - e a minha mãe, enquanto aquecia a sopa, a dizer que eu sou 'doidinha'. Vi o telejornal até ao fim e ainda fui aos canais 24h. Corri a internet e a rádio. E era verdade: os Deolinda não foram. Em comunicado, informaram que não estariam presentes, e foi isso.
Portanto, não digam que eu sou da "Geração Deolinda". Isso seria tão mau como o ditado "olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço". Porque fazer músicas é como fazer filhos: com gosto e com responsabilidade. Até há maneiras simples de emendar tudo no dia a seguir, mas não funciona com as cantigas. E se é para 'ser de alguém', como no futebol, prefiro ser dos "da Luta". Chamem-lhes 'doidinhos', irresponsáveis ou inconsequentes. Estiveram lá, e isso tem de contar. E vão à esquadra, e podem até não ir à Eurovisão - mas que importa, se eles já disseram que, mesmo desclassificados, apanham o avião e vão cantar nem que seja à porta? É que, por estes dias, confesso que é um alívio poder acreditar no que se diz, na confiança de que vai ser feito. E eu, quando disse que não fazia exame naquelas condições, não fiz. E saí do auditório. E já mandei cartas ao Director da Faculdade e ao Conselho Pedagógico - e continuo sem o exame feito, com a nota pendurada. E isso até me incomoda, porque sei que a minha mãe me chamou 'doidinha' - mas também vi que ficou contente porque, e como diz a minha avó, "meu dito, meu feito".

quarta-feira, 2 de março de 2011

dois amores.

Quando cheguei vinha triste com o país. Com ideias de emigração, para um cantinho onde não se falasse da crise e do FMI. Para cúmulo, o iPod achou-se no direito de me bombardear com sambas e ritmos sincopados. Ia embalada naquilo, fiz por não ouvir a Gina e a Lena a discutir cremes para as rugas do pescoço. Com a música, olhava pela janela e parecia tudo feio. O shopping gigantesco, visto da ponte, era como um monte de caixas de transporte de bichos. Era tudo feio. E eu queria mudar de país, porque este era feio, já disse, triste e sem graça. Mas com a mesma facilidade dos sambas, o sacana do iPod seguiu para um fado. Quase uma marcha, Raquel Tavares - Lisboa garrida. E eu, naquela passagem de pandeiros a guitarra portuguesa mandei a mão ao peito e, Deus me perdoe, benzi-me com a esquerda. Arrependi-me até à espinha do outro sentimento anti-pátrica e num 'ai' voltei a amar a casa. A mesma janela da carrinha mostrou os mesmos prédios feios, empoeirados em cinzento - e eu já via quatro paredes caiadas e cores, muitas cores, todas as do catálogo da Robbialac. Os meus olhos, doidos, procuraram o Tejo. Esquerda, direita, olhava e torcia-me no espaço do meu banco, no canto. Espreitei atrás dos centros comerciais, dos prédios e dos barracos das associações culturais e recreativas. Nada de Tejo. Passaram-se os 3 minutos e 5', mudou o fado para uma música de ir à praia (que eu até gosto, tem dias). Irritada com o Tejo, e com a música, programei o aparelho: agora só dás fado. Depois apareceu o rio, onde eu o deixei em Agosto. Igualzinho. A carrinha fugiu dele, direcção Loures. Desculpa, hoje não vim para te ver. Fecharam-me todo o dia na escola da polícia, no congresso. E eu queria a tarde, o fim do dia, ir à fadistagem. Fugir e correr Alfama. Levaram-me ao Vasco da Gama e de volta a casa, para comer e dormir. Havia copos de vinho tinto na mesa, mas a renda da toalha não me deixava sair do sítio - nem em sonhos. Ainda era cedo, muito cedo, quando me prepararam a cama - que, de dia, é sofá. Embrulhei-me nas mantas e mandei as boas noites. Depois Coimbra mandou-me um beijo e, antes de adormecer, o iPod lembrou-me que não me dou longe de ti - já diz o Zambujo. É venerar Lisboa e amar Coimbra. Longe de mim ter dois amores - isso seria muito pimba.