sábado, 6 de outubro de 2012

Senhor Mário

Ontem foi o aniversário do avô Mário. Nasceu com a República no dia, mas 25 anos depois dela. É uma figura curiosa, o meu avô.. 
Quando era novo escapou à tropa por excesso de peso, abriu uma mercearia e hoje ainda sabe trautear a lengalenga de produtos que vendia. Às vezes engana-se, mas ainda sabe. O meu avô, quando me vê, cumprimenta-me sempre com um "oooh flooor" que lhe vem do fundo da garganta, assim sentido e a passar pelo coração+pacemaker. Não tem preferências pelo Benfica nem pelo Sporting, até adormece a ver os jogos, e diz sempre o resultado errado quando a minha avó pergunta. Tem uma caneca de adereço de onde copiou o ditado, escrito à mão, para todos os copos por onde bebe: "Tinto ou Branco? Cheio!". O meu avô não se irrita com a política. Acha que são todos um "bando de cachopada" e que os telejornais são uma treta. Ainda assim, aproveita quando a minha avó se distrai comovida a ver as notícias de crimes para "roubar" pêssegos do cesto da fruta ou bocados de queijo, de uma das mil caixas herméticas para frigorífico que há por lá. Para o meu avô, crise foi quando passou a "Terra Nostra": a minha avó foi tomada pelo acesso das massas, reduzindo drasticamente nas batatas e no arroz. Era sempre macarrão - e ele não gosta porque isso não é português. Chegou-se a temer a depressão, eu e o meu primo demos-lhe a alcunha de "Macarrone" para o ver barafustar ainda mais. Era engraçado, um ralhar misturado com lamento, uma coisa pachorrenta de quem perdeu autoridade na cozinha. Mas também é forte. Fazia-me sempre rir quando alinhava nozes numa fila indiana e as partia à mão, com um murro seco ou uma palmada bem aplicada contra a mesa. Quando está calor veste aquelas coisas brancas de manga cava, enfiadas por dentro das calças. Tem sempre uma boina e no Inverno umas pantufas novas que a minha avó compra. 
Quando foi operado (uma das vezes) fui visitá-lo ao hospital, numa tarde em que ainda não tinha aparecido ninguém. Chamou-me flor e fez inveja aos colegas de quarto: é a minha neta que me veio ver. Levei-lhe um jornal, ele agradeceu e fingiu que leu um bocado. Perguntei-lhe se estava melhor, sem dores pelo menos, e  respondeu-me que estava sim, só que muito aborrecido. E que não se dorme bem naquelas camas altas. Quis logo saber da Clara (a minha avó), se tinha passado bem e a que horas vinha. Fez contas pelo relógio e pediu-me que à saída chamasse as meninas enfermeiras para o ajudarem a compor o "balseiro" onde o enfiaram. E que lhe dessem o robe, senão ela ralhava por ele andar desagasalhado. Recuperou em casa, muito mais animado com as sopas caseiras e o controlo fechado da Clarita. Desde há uns tempos,  desconfio que virou budista. Enfia-se numa meditação para dentro, como se estivesse a fazer contas de cabeça. Deixa a minha avó dominar as conversas todas e nem a interrompe quando começa a divagar e a demorar toda a gente. Ontem, à mesa do aniversário, tios e tias e primas enrolavam-se nas conversas da crise e da sobretaxa do IMI. Ele ia comendo camarões e fanando profiteroles às escondidas. Só abriu a boca quando lhe pousaram o bolo à frente e, por cima do silêncio respeitoso que se faz sempre que ele vai falar, perguntou: "Quem é o responsável por este bolo?"


"Que é isto? Parabéns Mário?? Já não é SENHOR Mário porquê? Chegámos à Madeira?! Omessa!" Isto tudo enquanto piscava o olho e se preparava para ser um miúdo malandro outra vez - e a minha avó envergonhada com estes disparates, "És pior que as crianças!". Depois consentiu que se acendessem as velas e cantou à sua maneira, com um ralentando puxado no final, um ritmo lento e portentoso de um fado à moda antiga. Brindou (sempre a penaltie) e rematou dizendo que "está uma crise tão grande que só lhe dão água". O meu avô é assim, não quer saber das bandeiras do avesso nem das sobretaxas de tudo e mais alguma coisa. É um feliz e pacato Mário, se não lhe roubarem o título de Senhor; Senhor Mário.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

é fácil.

Um destes dias mando-me aos cadernos e começo a escrever. Ainda não é hoje, desculpa-me se estás à espera. É que a escrita é difícil, e tu não.


" porque el amor es fácil, y así hay que vivirlo; y aunque queramos ver dificultades, no las hay; aunque nos llegue en el momento mas extraño y con la persona mas inesperada;  la manera de poder ser felices es tener el valor para vivir"

terça-feira, 31 de julho de 2012

o poema da verdade.

(fui roubar palavras.)

prometo ser-te fiel se mo fores
também, não é certo que mo venhas a
ser. por isso, já to perdoo

prefiro partir assim para o resto da
vida. assim, com os olhos abertos à
frustração e talvez à vulnerabilidade

não prevejo nada em concreto, acredita,
não tenho olhos para outras moças,
só o digo assim por ser verdade

que tarde ou cedo havemos de encontrar
nos outros motivos de inusitado
interesse, e depois, pergunto,

vale mais que acordemos um amor
sobreposto ao futuro, um amor agora
que tenha conhecimento do futuro

e não esperar mais nada senão
a verdade. a decadente verdade que
chega já depois dos primeiros beijos.

Valter Hugo Mãe, in Contabilidade

sexta-feira, 27 de julho de 2012

#1

Disse alguém muito sábio: "Sê paciente e serás feliz. Mas confesso que estou farta de ser paciente."  Obrigada, o teu anonimato é bonito e já me ganhou o dia.

and in that moment.

Não entendia porque é que "desejar" é sinónimo de "procurar". Mas até faz algum sentido, percebe-se. E a verdade é que te procurei, num sentido muito geral e sem saber quem eras. Encontrei-te, quase tropecei em ti. O desejo veio depois, quando não soube interpretar essa vontade crescente, gigante, de te procurar melhor. Quando ainda era tudo feito aos tropeções, sem nenhum conhecimento de causa. Sem nenhum passado que me dissesse quem éramos. Naquela altura bonita em que não era preciso enfiar-te (a ti e a mim) numa categoria apertada, quando eu podia traduzir-te numa palavra começada por A. Hoje ainda fazes parte de tudo. És como um trailer de todos os filmes que vejo, e nos que vivo há sempre um deixa que é tua - que foi tua. Em nada és inocente, em nada deixas de existir. Em tudo o que é escondido. Marcas na pele, botas pretas de cano alto e aquelas músicas que nunca conseguimos partilhar. Não se ama alguém que não ouve a mesma canção.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

ser fraca

AVISO: se nunca ouvi falar deste assunto, ignore tudo o que segue pois a compreensão errada dos factos poderá conduzir a conclusões disparatadas.
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Comecemos pela definição de um dicionário online.

fraco
adjetivo
1. que não tem força; que não tem energia física; débil
2. franzino; sem robustez
3. que não tem força de vontade; que se deixa abater com facilidade
4. cobarde; pusilânime
5. frouxo; brando
6. pouco consistente; pouco resistente
7. influenciável; pouco firme
8. que erra facilmente
9. que sabe pouco sobre algo; que não domina um assunto ou matéria
10. pouco intenso; pouco ativo
11. pouco significativo; insuficiente; medíocre; mau




















Sei que não vieste aqui para ler esta definição, claro, isto é o que podes encontrar no google em 30 segundos de pesquisa. O que te interessa é outra definição (a minha?). A explicação de uma teoria que levou três anos a desenvolver-se, uma tese, um tratado que escrevi mentalmente e ao qual adicionei provas factuais sempre que tal se proporcionou - tantas e tantas vezes, há testemunhas! Então, para que não haja mal-entendidos nem problemas de expressão, tentarei explicar-me como se tivesses 2 anos, ou 3. Usaremos um sistemas básico de pontuação, como fazem as revistas de adolescentes, e no final me dirás se (como desconfio) és fraca ou (raro, raríssimo) não és. Let the games begin! Ser fraca é: 

1. Duvidar (2pontos)
Começamos por um aspecto complicado. Calculo que estejas já a duvidar de mim e da seriedade da minha teoria - o que, à partida, não faz de ti fraca mas apenas esperta. Este primeiro ponto do esquema não deve ser entendido num sentido literal do termo, mas abrindo os horizontes da dúvida para uma constatação muito simples: uma fraca não sabe o que quer, e tem medo do que possa encontrar. Seja essa indecisão verdadeira ou falsa - claro que no primeiro caso não é tão grave (poderá apenas ser infantil) mas pode esconder, se for falsa, a negação daquilo que, afinal, sempre se soube. O que nos leva para um segundo ponto.  

2. Não assumir (2pontos) 
É o comportamento típico quando aquilo que se sabe não é o que se gostaria de saber. A reacção pública desta escolha é quase tão discreta como seria um elefante a dançar num nenúfar. Facilmente detectável, mais para uns (os que têm o dom) que para outros, requer excelente arte de dramatização e pode transformar tecido cerebral viável em gelatina de tuti-fruti. Apenas um bom mestre poderá tentar manter o elefante ao cimo da água mas, mesmo assim, não deixará de sentir o peso e acabará por afundar. Todos afundam, é uma questão de dias - ou de anos. 

3. Trair (3pontos) 
Ah, o grande golpe. É banal e pode ser repetido mais que uma vez, recorrendo à originalidade do artista. Poderia escrever um livro sobre o tanto que já vi ser feito nesta área. Há quem recorra aos ex- e quem crie falsos "futuros", se bem que o prémio final vai para as grandes artistas que conseguem conjugar passado-presente-e-futuro no mesmo lugar e à mesma hora. Coincidências. É muito feio e condenável enfiar um chapéu de vaca em cabeça alheia.

 
4. Sofrer de gula (2pontos)
O que se relaciona com o ponto anterior. Porque a relva é sempre mais verde do outro lado da cerca, há muito animal de quinta que não consegue controlar o seu pastoreio. Nem Deus nem o celebrante de um casamento civil (desculpem-me que não sei o nome técnico do individuo que realiza o acto) tiram a visão aos noivos quando os declaram solenemente casados.. mas também não posso concordar inteiramente com os que dizem que olhar e pensar não contam como apetite. "Comer com os olhos" é sofrer de gula, se não fosse não se diria "comer".  

5. Causar inveja (1ponto) 
A felicidade é incómoda para quem não a vive - não me incluo neste lote, seja claro! Mas sei de fonte segura (é o que me dizem) que a inveja é um sentimento podre que corrompe o organismo todo. Há relatos de criaturas com estados febris causados por ver que outros têm o que se deseja mais. E, claro como água (ou vodka, que é igualmente transparente), a inveja é coisa de evitar. Traduz uma guerrilha infantil de miúdas que arrancam cabelos para brincar com uma única Barbie. Se são duas e só há uma, e se partilhar estiver fora de questão, há que aprender a viver com a vitória ou com a derrota. Esta última é mais amarga, mas é melhor procurar outro favo onde haja mel do que viver constantemente com o ferrão da abelha-rainha espetado em parte incerta. 

Fiquem com o sistema de pontuações.
0-1: Não és fraca, és feliz.
2-4: Aprendiz
5-6: Estagiária
7-8: Profissional
9-10: Rainha
E chegamos ao fim, caros amigos e amigas. Agora sim, digam-me que sou idiota porque levei anos a compilar estas verdades tão banais. É um facto, não tenho nada com que argumentar. Mas, não fosse eu, os vossos fins de tarde e de noite não teriam assuntos interessantes para debater! Feliz por contribuir, continuarei disponível para esclarecimentos adicionais.



Princesinha

(sinto necessidade de deixar um esclarecimento prévio, pois nada do que se segue te diz respeito; nada tem que ver contigo, nada foi inspirado no que me ensinaste, nada te pertence nem te está associado; qualquer semelhança será obra do acaso, a mais pura das coincidências)

quinta-feira, 12 de julho de 2012

continuação.

(Não é artifício de escrita, isto é mesmo uma continuação e devia ler primeiro o post anterior).

Já o calor é um caso mais sério. A verdade é que facilmente me aborrece, rouba-me toda e qualquer pequenina vontade de pegar numa história e passar para o papel. Não consigo escrever ao sol, este ano nem tentei. Nestes meses desgraçados o corpo só pede coca-cola com gelo e limão, ou café com gelo, ou Beirão com gelo e limão (seja espremido, com casca ou sem). Ou pior, pede martinis que, em número superior a dois, dão início de uma tormenta de calores internos que supera as marcas do bronze nas costas. Também é facto, e não menosprezado, que uma boa esplanada (como essa, que tenho a honra de frequentar) é sempre um espaço criativo em pleno: a música é de excelente qualidade (ainda hoje correu o cd da Joss Stone, gravado ao vivo num sítio qualquer), a bebida é fresca, costuma haver uma aragem passageira, e o gerente/funcionário do espaço é de um charme apenas comparável ao do Martini-Man, Mrs Clooney. Mas lá está, mais me ajuda este raciocínio, é disto que me aborreço. Está sempre por ali um bom conjunto de gente que dava uma boa história (gente que tem, digo eu, boas histórias). Mas o abrasado do calor só me dá para barrar protector solar, factor 30, em tudo quanto é pele exposta, nunca para agarrar uma caneta e divagar. Nunca. E agora, se escrevo, não se iludam, é apenas porque tenho o quarto climatizado a 18 graus. Estou de pijama e robe de inverno, com gorro na cabeça e meias nos pés. É o que digo, o calor não favorece o artista, muito menos a miúda que quer escrever para ganhar a vida. E que seja uma dessas confortáveis, que vá permitindo, nos intervalos destas tardes solarengas, ir num avião low cost tomar um café em malga xl a um sítio frio e distante. Ou, já que compensa, beber uma dessas cervejas que cheira à broa de milho da padaria da vila.

o orgulho e uma cerveja.

Numa terra fria e distante há um bar maravilhoso. Eu, desentendida do dialecto local, não percebi o nome inscrito, em letra velha, acima da porta e janela. Nem sabia, aliás, pronunciar tais palavras. Foi só com o google tradutor que, meses depois, soube que estive no "Orgulho da Margarida" ou na "Margarida orgulhosa" - nunca fiando nessas traduções fracas.


Mas voltando ao bar, entrem. É uma espécie de pub, muito ao estilo das terras frias e distantes, onde se servem cafés em pequenos tabuleiros com bolachas, fatias de bolo, chocolate, natas e açúcar. O café em si, claro, é péssimo e a chávena é do tamanho de uma taça do caldo verde. As bolachas ou o bolo são sempre melhores, e o chocolate (ou nougat) é delicioso. Neste bar, como noutros que lhe são vizinhos, o café é tão caro que sempre compensa beber uma cerveja. Há uma lista, numa capa de folhas plásticas como as da escola, com nomes e indicações que não se entendem. A escolha segue a linha dos números da lotaria, só que o retorno da aposta é tendencialmente mais agradável.


Há bebidas destas que sabem a cerejas e outras que sabem a pão frio, com espuma branca. Dos mil sabores da lista percebem-se (a custo) as frutas: pêssego, maçã e uma outra que se podia jurar ser de uva. São sempre muitos frias e depois muito quentes, quando dentro do corpo. O que é bom porque ajuda a superar o grau zero que corta as ruas e nos vem bater nas esquinas, quando há vento. 


Foi ali, precisamente no lugar que está vago da minha ausência, que comecei a escrever uma história com a ganância idiota de um dia ganhar um prémio e muito dinheiro. Sempre achei que o frio me estimula as ideias, como se me encasulasse o corpo todo para o cérebro (e outros órgãos criativos). É no frio que nunca me dá para cometer disparates, pois é-me mais confortável o calor artificial de uma boa manta Quechua. Mais se acrescenta que é nos meses de inverno rigoroso que o consumo dessas bebidas me agradava particularmente, uma vez que o corpo não desata a produzir hormonas e suores, direccionando tudo para uma excitação cerebral - que, agradeço, me deu já umas quantas ideias.

(nota: continua...)

sexta-feira, 22 de junho de 2012

parte2, ano4

Arrasto os pés pelas escadas e sinto o buraco negro gigantesco, resultado da conversa fria, a formar-se na cabeça. Fungo, elas lá vêm. No último degrau vai ficar a marca da confusão pequenina que o negro ainda não apagou. Naquele espaço partilhado não se pode partilhar mais que o necessário, há que resistir a grandes demonstrações dos sentidos. Fungo, aquele barulho com o nariz que os miúdos fazem quando estão constipados ou quando querem coisas que estão na prateleira mais alta. Acabam as escadas, o tapete cola-se aos chinelos e faz-se num novelo que chuto para longe, para trás. A porta ficou encostada e o candeeiro aceso, o ar fresco da climatização agita-se numa onda quando a porta fecha, suave, nas minhas costas. Um último fungar, enquanto deixo cair os papéis agrafados da minha organização, de todo um curriculum a pedir estudos internacionais. O buraco negro dissipa, devolve-me tudo o que levei até ao primeiro degrau da escada de madeira, que estala cada vez mais. Escorrego para o cadeirão cinzento, enrolo-me como um bicho e fico com a certeza de ter feito asneira. Aquele arrependimento imediato de quem põe a esperança no sítio errado. Um engano traiçoeiro, certeiro e que estava arrumado  a um canto, entalado de esperança como uma ilha minúscula no meio do mar. Essa esperança vadia, quando foge sem pedir autorização, faz tudo desabar. A certeza do engano, a grande ilusão, essa é que custa. Há logo mais mil ideias pequeninas, sacanas, que correm a provar que tem razão, que bem avisaram. Depois imagens, caras conhecidas, que dizem "eu fico" e que dizem "para mim acabou, é o fim, Mariana". Tudo a mudar, tudo no mesmo sítio - e eu nunca percebo estas coisas, estas pessoas e eu.

domingo, 13 de maio de 2012

Mais encanto.


        Dizem que é na hora da despedida que Coimbra tem mais encanto. Que há, nesta cidade, qualquer coisa que não volta, que voou. Que há um rio que tem todo o brilho da cidade, há capas aos ombros e saudades nos olhos. Dizem, disseram-nos durante três anos. Tentámos acreditar, é verdade, aprendemos a dizer adeus e a viver com a saudade. Aprendemos a conviver com os colegas, a que passámos a chamar amigos; aprendemos a conviver com a cidade, a que passámos a chamar casa. E, quando pensamos bem, são estas as duas lições que deviam valer mais.          
            Lembram-se do dia em que chegaram? Eu tive medo, confesso. Recordo que havia muitas Capas e Batinas, que esperámos debaixo de um sol muito quente e que alguém fez discursos que não fizeram sentido. Recebemos t-shirts e hinos e fomos convocados para a Praxe. Éramos uns miúdos, saídos do liceu, não sabíamos lidar com os power points acelerados do Ensino Superior, com os exames em duas fases nem com os anfiteatros de madeira que caem a pique até ao professor. Depois acabou o primeiro ano e pensámos que era o fim, de tudo. Mas então vestimos de negro, traçámo-nos em abraços e em famílias. Não era o fim, era só outro começo.
            No ano passado, começámos a sonhar com um Carro. Começámos também a perceber que não era tudo fácil, tivemos de nos despedir de colegas que tinham sonhos iguais aos nossos – e ninguém nos ensinou a fazer isso. As bolsas, as políticas, às vezes uma nova vida. Mas ainda não foi o fim, ainda não acabou. Nas letras, passámos da teoria à prática, pediam-nos notícias e noticiários. Trabalhos de grupo, apresentações orais… e nós queríamos faltar às aulas, queríamos tanto ser rebeldes! Trocávamos a noite pelo dia e íamos pelas ruas em grupos e em Trupes, às cantigas e às tascas, à Alta e á Baixa. Jantares, Latada e Queima. E depois o ciclo termina sempre com exames, uma espécie de corda ao pescoço como a que tem o D. Dinis.
            Mais um passo, pequeno, e já nos chamam finalistas. Saltamos etapas porque Bolonha mandou. Está a acabar, percebem? Acreditam? Agora é oficial, não somos os miúdos que chegaram a Coimbra cheios de malas e de vontades. Somos os outros, os que deixam Coimbra porque chega a hora. Os que vão querer voltar e não vão querer esquecer. Somos o terceiro ano de Jornalismo, os fitados 2009/2012. Somos o “Inimigo Púbico”, as Miguitas, os Rijos, as Erasmus, as Rosinhas e a Tertúlia que nunca existiu. Somos o 27! Somos tudo o que não consigo (ou que não posso!) dizer nesta página; as fotografias que levamos para recordar, o choro de uma balada, a alegria das nossas festas e as lágrimas que enchem o rio. Por sermos assim, e não apenas por estar a acabar, posso dizer, e sei que me acompanham: ainda bem que eu entrei no meu ano!

Mariana Pardal
Presidente da Comissão de Carro 09/12

P.s. Peço desculpa por não mencionar cada um dos elementos desta Comissão, mas sinto que há que destacar as tesoureiras Sílvia e Flaviana, pelo trabalho incansável, pelas contas certas e pela disponibilidade total.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Pretérito.

Encontrei uma caixa de cds velhos. "Escolhas Musicais de 2007", por exemplo, a abrir com uma faixa pavorosa do Luís Represas. E o meu vício também antigo de dar nomes como "Várias", "Várias 1" e "Várias 2" às colectâneas não autorizadas de músicas obtidas por meios duvidosos. Na pilha de pérolas resgatei o oficial dos Morangos com Açúcar, 3ª temporada, série de Verão - com o genérico do Ménito Ramos, um sonho. Pelo meio de outras capas não identificadas encontrei a Norah Jones, já dentro do carro. Que merda. Gastei 10€ em 'sem chumbo 95' para fazer piscinas na avenida, de rotunda em rotunda. Arriscando um fuga rápida até aos semáforos que levam à estrada da Figueira, recuando pela rua apertada no meio dos campos de arroz, com vista para o castelo. Foi uma noite triste, uma coisa estúpida que não queiras saber. Subi a ladeira e parei no parque do castelo, fiquei até um casal de pombos vir reclamar o espaço mal iluminado, propício e famoso para umas aventuras. Desci até à beira-rio, onde descobri indivíduos encasacados a trocar sinais de luzes e saquinhos de plástico. Merda. Já não se pode estar em lado nenhum. Estacionei no parque da Igreja, baixei o volume do rádio e consegui ouvir as senhoras do coro e a pianola fora de tempo, lenta, arrastada e enrolada com o eco das pedras. 9ª Estação, Jesus cai pela terceira vez. E cânticos, leituras que não se conseguem ouvir. E eu farta de cair, mais que três vezes, tenho uma habilidade natural (é um dom) para tropeçar. Coisas grandes, quedas intensas e de ficar com as costas de lado, incapaz de um braço ou de uma perna. Pior que isso, tu. Todos os modos verbais do pretérito, todas as Escolhas de 2007. Todos os pequenos sinais, o teu jeito de infiltração que ainda se esconde em caixas de cds velhos, como bombas não identificadas e prontas a rebentar. É como jogar ao Minesweeper, só que sempre. 24/7. E um grande silêncio, agora, uma inexistência absoluta. Daquelas limpezas que não se pode fazer nos computadores, porque tudo deixa rasto. Contigo não, nada. Se eu não soubesse, se não fossem os cds de outros anos lectivos, podia jurar que tinha sonhado. E que o mal das costas era só resultado de uma posição errada durante o sono. Se eu não soubesse, jurava que nunca tínhamos sido, que a música nunca tinha tocado.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

senhor primeiro-ministro,

tenho o quarto todo desarrumado, sabe? E é um quarto bonito, não é muito espaçoso mas tem uma janela que dá para a rua e, para entrar, é logo a primeira porta à esquerda. Mesmo assim, deixei que o entulho crescesse como as silvas, tenho tudo espalhado por todo o lado. Às vezes, quando chega a sexta-feira já só um perito das minas e armadilhas consegue fazer o meio-metro que separa a cama da porta, ou o armário da secretária. As coisas estão todas perto umas das outras, é essa a única facilidade.
Isto aqui não é como em casa, aqui é uma balbúrdia. Lá estão os cobertores bem alinhados, com cores a condizer. As paredes branquinhas como se quer, a bater com os cortinados e os tapetes e os edredons. Se um tem riscas, o outro não pode ter. Aqui não, é tudo malhado, uns traços a bater nos outros. E lençóis daquela cor da escola básica (quando não se podia dizer vermelho) com mantas do FCP. O mural do facebook espetado na parede com post-its amarelos, mais uns posters fanados de um sítio qualquer.
A comédia que aqui tem lugar é de tal ordem que eu tremo toda quando a mãe estica a cabeça cá para dentro. Se ela visse, jesus! Fazia cá falta para me arrumar isto, nem que fosse só para me dar a ordem. Uma daquelas perguntas lixadas, a que eu nunca respondo. "Mariana, já arrumaste o teu quarto?". Caraças, ainda não.
Senhor ministro, olhe que a minha mãe faz falta ao país.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

your mission, should you choose to accept it

Se ninguém ficar escandalizado, posso dizer que este blog nasceu de um ménage. Foi uma sex-party entre a necessidade de expressão, a falta de escrita do currículo escolar e a falta de tempo da minha vida de teen atarefada. Se hoje não escrevo com a mesma regularidade de há uns anos (obrigado por notarem) é porque o registo do "diário" deixou de me satisfazer. Aqui, passou-se do tempo das curtes às escondidas para as cenas de anel do dedo - ou fitinha no pulso, que significa o mesmo de uma maneira muito mais discreta. Além disso, esses três participantes partiram há muito para outras festinhas e deixaram de fazer sentido na vida deste puto, que se emancipou. O blog está mudado. Só se mantém as cores porque sempre fui melhor a brincar aos polícias e ladrões que aos designers e estilistas. Mais, agora tenho mesmo que escrever. E não é sobre pessoas que vi no autocarro. São textos grandes, maçadores, de mil-e-mil caracteres. É por isso que estou sem palavras para aqui. As que sobram dessas escrituras vou guardando numa caixinha (como o Pessoa guardava as pedras do caminho). A missão para essas palavras-rejeitadas é de imensa responsabilidade. Serei capaz de escrever um romance de 5.000€? Vi o filme do Cruise e ganhei um euro nas raspadinhas da Santa Casa, tudo parece possível.