Comentou-se que eu andava triste, mas há explicação. A verdade é que já estou na personagem, e ela assim me obriga. Cabeça baixa, melodia triste, chorada mesmo. No domingo, por umas horas, hei-de passar a ser a mulher que, segundo a tradição, saiu do meio do amontoado de povo e limpou o rosto do condenado com uma toalha. A representação limita-se ao que sempre se fez: ele segue figurado no andor, eu vou à frente, figurada nela. Em grego, Bernike; em latim, Verónica.
Nos ensaios, disseram-me: "imagina que o teu melhor amigo, que sabe tudo da tua vida, está morto aos teus pés e que toda a gente passa indiferente, sem respeitar a tua dor e sua morte. É assim que tens de estar." Assustei-me, mesmo. Está morto? No tapete da Dona Lucinda? Ora essa. Foi só depois, ao fim da tarde, quando fixei o olhar nos anjos da carpete da sala da Rita que comecei a focar. Está morto, está mesmo. Ó vós Homens, que passais pelo caminho; atentai e vede se há dor como a minha dor - mesmo em latim, começou a fazer sentido.
Seguirei o caminho (que já conheço) e não há-de ser nada que não consiga fazer. Desde que não chova e não me obriguem a usar microfone na praça. Para já, não quero pensar nisso - nem no vestido dourado, no diadema ou nos canudos que me vão fazer no cabelo. Muito menos no par de sapatos que terei de suportar do início ao fim, sem queixas ou hipótese de trocar.
Mas agora que começa a ser público e sabido, que cada um faça o seu papel de espectador surpreendido. Vamos manter o segredinho, que assim manda a tradição. Só no domingo, quando o pano se rasgar, e eu lá estiver a tremer de nervos e à procura do tom certo, é que tudo vai saber que sou eu. E sou mesmo, mas não digam nada a ninguém.
Nos ensaios, disseram-me: "imagina que o teu melhor amigo, que sabe tudo da tua vida, está morto aos teus pés e que toda a gente passa indiferente, sem respeitar a tua dor e sua morte. É assim que tens de estar." Assustei-me, mesmo. Está morto? No tapete da Dona Lucinda? Ora essa. Foi só depois, ao fim da tarde, quando fixei o olhar nos anjos da carpete da sala da Rita que comecei a focar. Está morto, está mesmo. Ó vós Homens, que passais pelo caminho; atentai e vede se há dor como a minha dor - mesmo em latim, começou a fazer sentido.
Seguirei o caminho (que já conheço) e não há-de ser nada que não consiga fazer. Desde que não chova e não me obriguem a usar microfone na praça. Para já, não quero pensar nisso - nem no vestido dourado, no diadema ou nos canudos que me vão fazer no cabelo. Muito menos no par de sapatos que terei de suportar do início ao fim, sem queixas ou hipótese de trocar.
Mas agora que começa a ser público e sabido, que cada um faça o seu papel de espectador surpreendido. Vamos manter o segredinho, que assim manda a tradição. Só no domingo, quando o pano se rasgar, e eu lá estiver a tremer de nervos e à procura do tom certo, é que tudo vai saber que sou eu. E sou mesmo, mas não digam nada a ninguém.
2 comentários:
Nem sequer se pode dizer que toda essa tua performance vai ser documentada em video?
isso fica para futuros capítulos :) BBC Vida Selvagem
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