segunda-feira, 19 de março de 2012

Pretérito.

Encontrei uma caixa de cds velhos. "Escolhas Musicais de 2007", por exemplo, a abrir com uma faixa pavorosa do Luís Represas. E o meu vício também antigo de dar nomes como "Várias", "Várias 1" e "Várias 2" às colectâneas não autorizadas de músicas obtidas por meios duvidosos. Na pilha de pérolas resgatei o oficial dos Morangos com Açúcar, 3ª temporada, série de Verão - com o genérico do Ménito Ramos, um sonho. Pelo meio de outras capas não identificadas encontrei a Norah Jones, já dentro do carro. Que merda. Gastei 10€ em 'sem chumbo 95' para fazer piscinas na avenida, de rotunda em rotunda. Arriscando um fuga rápida até aos semáforos que levam à estrada da Figueira, recuando pela rua apertada no meio dos campos de arroz, com vista para o castelo. Foi uma noite triste, uma coisa estúpida que não queiras saber. Subi a ladeira e parei no parque do castelo, fiquei até um casal de pombos vir reclamar o espaço mal iluminado, propício e famoso para umas aventuras. Desci até à beira-rio, onde descobri indivíduos encasacados a trocar sinais de luzes e saquinhos de plástico. Merda. Já não se pode estar em lado nenhum. Estacionei no parque da Igreja, baixei o volume do rádio e consegui ouvir as senhoras do coro e a pianola fora de tempo, lenta, arrastada e enrolada com o eco das pedras. 9ª Estação, Jesus cai pela terceira vez. E cânticos, leituras que não se conseguem ouvir. E eu farta de cair, mais que três vezes, tenho uma habilidade natural (é um dom) para tropeçar. Coisas grandes, quedas intensas e de ficar com as costas de lado, incapaz de um braço ou de uma perna. Pior que isso, tu. Todos os modos verbais do pretérito, todas as Escolhas de 2007. Todos os pequenos sinais, o teu jeito de infiltração que ainda se esconde em caixas de cds velhos, como bombas não identificadas e prontas a rebentar. É como jogar ao Minesweeper, só que sempre. 24/7. E um grande silêncio, agora, uma inexistência absoluta. Daquelas limpezas que não se pode fazer nos computadores, porque tudo deixa rasto. Contigo não, nada. Se eu não soubesse, se não fossem os cds de outros anos lectivos, podia jurar que tinha sonhado. E que o mal das costas era só resultado de uma posição errada durante o sono. Se eu não soubesse, jurava que nunca tínhamos sido, que a música nunca tinha tocado.