sexta-feira, 22 de junho de 2012

parte2, ano4

Arrasto os pés pelas escadas e sinto o buraco negro gigantesco, resultado da conversa fria, a formar-se na cabeça. Fungo, elas lá vêm. No último degrau vai ficar a marca da confusão pequenina que o negro ainda não apagou. Naquele espaço partilhado não se pode partilhar mais que o necessário, há que resistir a grandes demonstrações dos sentidos. Fungo, aquele barulho com o nariz que os miúdos fazem quando estão constipados ou quando querem coisas que estão na prateleira mais alta. Acabam as escadas, o tapete cola-se aos chinelos e faz-se num novelo que chuto para longe, para trás. A porta ficou encostada e o candeeiro aceso, o ar fresco da climatização agita-se numa onda quando a porta fecha, suave, nas minhas costas. Um último fungar, enquanto deixo cair os papéis agrafados da minha organização, de todo um curriculum a pedir estudos internacionais. O buraco negro dissipa, devolve-me tudo o que levei até ao primeiro degrau da escada de madeira, que estala cada vez mais. Escorrego para o cadeirão cinzento, enrolo-me como um bicho e fico com a certeza de ter feito asneira. Aquele arrependimento imediato de quem põe a esperança no sítio errado. Um engano traiçoeiro, certeiro e que estava arrumado  a um canto, entalado de esperança como uma ilha minúscula no meio do mar. Essa esperança vadia, quando foge sem pedir autorização, faz tudo desabar. A certeza do engano, a grande ilusão, essa é que custa. Há logo mais mil ideias pequeninas, sacanas, que correm a provar que tem razão, que bem avisaram. Depois imagens, caras conhecidas, que dizem "eu fico" e que dizem "para mim acabou, é o fim, Mariana". Tudo a mudar, tudo no mesmo sítio - e eu nunca percebo estas coisas, estas pessoas e eu.