segunda-feira, 25 de abril de 2011

em abril.

Não gosto que neste dia a Sic passe filmes da princesa e que a tvi passe documentários (também da princesa). Não gosto que, indirectamente, se dê mais importância a um par de noivos que a um dia nacional. Revela ignorância, não pode estar certo. Das poucas coisas interessantes que tem a nossa história, há uma revolução. Fizemos uma revolução e hoje ninguém se lembra dela. Porque o país está na crise, e na troika, e o no FMI e porque o Mário Soares tem cara de bolacha - diz a minha avó. E porque arregaçar as mangas, 'erguer a voz e cantar', é um calvário que Deus nos livre. Mas, porque sempre me foi difícil perder amigos, não tenho vontade de virar costas ( e ontem tanto se falou que no Luxemburgo dão subsídios aos filhos e aos pais, aquilo é um luxo). Então cá estamos, à espera de mais uma edição do programa das criancinhas a cantar, à espera da novela da noite com edição especial, à espera dos santos populares e dos meses quentes de férias. Porque este mês nem nisso é bom, ou está calor ou está de chuva. E hoje, afinal, que dia é?



Na canção que eu hoje trago
Direi tudo o que eu quiser
No passado deixo um cravo
Planto outra flor qualquer.

(...)

Lutei
Com que armas não sei
Mesmo na desgraça
Ergui a cabeça
E lutei.

Senti
A força da raça
Dum povo que passa
Depois de ser escravo
A ser rei.

Na canção que eu hoje vivo
Cabe tudo o que eu disser
A palavra amante e amigo
A fúria de viver.

- José Carlos Ary dos Santos, Mulher Presente

sábado, 23 de abril de 2011

casa.

Por causa das férias, tenho estado em casa. Em casa-mesmo, o Refustedo é só abrigo para estudante. Aqui, na vila, os dias ou estão cheios de coisas para fazer, ou as tardes arrastam-se por séculos até à hora de jantar. Posso andar o dia inteiro com meias rotas e calças velhas, aquilo a que alguém muito sábio um dia chamou "roupa de andar por casa".
Mas aqui não há autocarros dos SMUT que me levem a passear à baixa, não há o café da praça onde se possa estar a tarde toda sem comentários das velhas. Não se pode beber finos e comer tremoços, isso seria o fim. O mais radical é dizer, cá em casa, que vou tomar café com gente de confiança e que volto cedo. E nunca passo das 2h. Só que aqui há pássaros logo de manhã. São o meu despertador. E a persiana não fecha bem, ainda não foi arranjada, desde o verão. Portanto acordo as 10h, com sol na quarto e com pássaros a fazer os seus barulhos. E é muito bonito, muito poético, mas é de manhã. Depois acordo e não há nem Faculdade, nem gabinete, nem esplanada, nem a banca dos jornais do Senhor Pavão. Começa o tédio a atacar. Mesmo a tempo, porque hoje a noite já há café, na rebeldia até às 2h. E amanhã já há Páscoa e coisas doces. E depois, há Coimbra.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Senhora Dona Fruta

Está um calor de morte em Coimbra. Nas ruas, nas esplanadas, em minha casa e na casa dos outros. As janelas abertas não resolvem, porque não há vento - e quando há, é quente. Logo pela manhã já uma camisa parece excesso de roupa. Mas, mesmo com este clima, não se pode ficar em casa. Eu, muito corajosa, lá saí. Quando estava de regresso, e passando pelo Largo de Santa Ana, resolvi vir por outra rua - porque tinha mais sombra. Mais meia dúzia de passos e, à minha direita, uma frutaria com ar de frescura. Entrei, só para conhecer o espaço, e dou de caras com uma senhora alta, forte, de sorriso rasgado, a perguntar-me se podia ajudar, "filha". Disfarcei e apontei para os abrunhos, são 3 por favor. Enquanto, muito solícita e despachada, foi buscar um saquinho de plástico, eu aproveitei para contemplar a fatiota: trazia umas socas cor-de-laranja garrido, sem meias; um vestidinho branco, pelo joelho; e, a cereja no topo do bolo, um avental com botões, gola revirada e manga pelo cotovelo, tudo com frutas desenhadas. Mas com cores, bonitas, com um aspecto muito festeiro e animado. Ainda eu não tinha tido tempo para chegar aos brincos, já ela tinha arrumado os abrunhos no saco e voltava para mim com perguntas. "Oh linda, atão e não bai mai' nada?". E mostrava maçãs daqui e ananáses inteiros noutra cesta. Depois levou-me aos morangos, deu-me um para provar que eram doces. "E são nancionais! Qu'a gente agora temos de comer o qu'é nosse". Então eu, porque os morangos eram 'nancionais', pedi-lhe uns 10. Deu-me 12, por causa das contas.Também fiz contas, não fazia ideia das moedas que tinha na carteira - só entrei para ver e já tinha dois sacos de fruta. Rematei por ali as compras, mas não consegui segurar-me quando vi caixas de cerejas no balcão. Ao meu olhar guloso, a Dona Fruta (é o melhor nome que lhe consigo arranjar) respondeu-me que já não tem. Que ainda houve, por alturas do Natal. Vieram numa remessa da Argentina, eram boas. Agora só volta a haver na época delas, lá para Junho. Mas o melhor é que eu vá passando, que sempre há qualquer coisa nova. E fez a conta. Tinha unhas cor-de-rosa choque, já com o verniz a cair, e carregava nos botões da máquina sem olhar. Continuou a explicar que às vezes tem assim negócios com a Argentina, porque eles têm lá coisas boas e há sempre quem lhas consiga trazer frescas. Que é como a fruta tem de ser, fresca. Despachou-me com 3€ e qualquer coisa e o típico 'volte sempre'. Ainda veio comigo à porta, muito airosa nas suas socas, gritar-me do meio da rua "BOM APETITE, FILHA!". E eu, sem manias de fineza, vim a roer abrunhos até casa.

terça-feira, 5 de abril de 2011

cerebrum

A Tatiana embirra constantemente com o meu problema de dicção. É verdade, às vezes, quando estou muito animada, muito descontraída ou muito nervosa, troco letras nas palavras e enrolo a língua a falar. Fica um som meio engraçado, ridículo. E ela faz sempre o reparo: "esse teu problema!". Mas, pior que este há outro, fora da minha idade. Tenho fraca memória, esqueço-me das coisas. É aleatório, olvido com a mesma naturalidade o que comi ontem ao jantar, o que tenho para fazer amanhã ou uma ninharia qualquer que alguém me pediu para lembrar. Tenho a agenda sempre na mala e não é raro ter notas escritas na mão. Mas, mesmo assim, às vezes esqueço-me. É fácil.
Hoje esqueci-me do assunto durante 10 horas. É um feito, quase meio dia. Tenho confirmação de mensagem enviada antes das 12h e não foi senão agora que pensei: não respondeu. E depois pensei: merda, não respondeu. Até que o disse, não está aqui ninguém que me oiça, posso proferir as maiores barbaridades em sossego. Mas o que há de bom nesta fraca memória de que padeço é que, juro, vou involuntariamente esquecer-me disto! Até dos palavrões. E, outra maravilha da nossa cabeça: mesmo que sonhe durante a noite, amanhã não vou saber.