terça-feira, 14 de julho de 2009

Amizades e balões de ar quente

Há aquelas pessoas a quem damos o apelido de amigos. Malta com quem soltamos umas gargalhadas dia sim/dia não e que até vão sabendo umas coisas sobre a nossa vida. Colegas que, aos 17 anos, já nos convidam para o casamento e baptizado dos cachopos, com festa cigana de uma semana ou duas. Estranhamente, encontramos cópias dos nossos números de série noutras criaturas e vai sendo engraçado partilhar interesses e cds.

Não é que seja absolutamente destituída nestas coisas, simplesmente... cometo imprecisões. Outras vezes, funciona tudo perfeitinho. Por exemplo, a minha bipolaridade é curada com o Chibambo - e funciona por troca directa, tipo comércio com os pretos, à montes de séculos atrás. Fica-se com aquela sensação de "elá.. este caraças começa a saber muitas coisas", misturada com "que se lixe, também sei cenas vergonhosas dele!" ;)

Costumam fazer aquela questão parola do sacrifício (por quem é que arriscavas a vida, esse tipo de histórias). Há algum tempo deixaram-me a dar voltas com uma diferente. Imagina que estás num balão de ar quente, uma cena muito de filme, com aquele núcleo pequenino que são os teus Melhores Amigos. A certa altura reparam que a bodega do motor está com problemas e vai deixar de funcionar a qualquer momento, se não foi aliviada a carga. Mesmo depois de se mandarem ao ar (jura!) os sacos de areia o motor continua a queixar-se. É preciso que alguém salte fora. Com um a menos, safam-se os restantes e fica só um cadáver para o CSI analisar. Agora... a situação é a seguinte: porque é que NÃO deves ser tu a saltar?

Isto, porque há amigos. Os recentes, que conheces-te por acaso, porque nesse dia não choveu. Esses e os de sempre, pessoas a quem podias contar a tua vida toda numa noite de cafés e guitarras, sem rodeios e sem excepções. Mostravas, sem problema, as fotografias todas da infância - mesmo quando o cabelo à tigela e os collant de renda foram moda. Não há problema se te encontrarem numa crise chorosa, depois de um daqueles livros lamechas que te emocionam sempre - e que, involuntariamente, decoras.

Seria por quem me dá abraços apertados, género emigrante regressado em Agosto, mesmo que tenha estado comigo há meia hora, que atirava as regras do jogo às couves, e me mandava de cabeça do tal balão. Porque "Tudo o que te dou / Tu me dás a mim".

P.s. Estas cenas só me ocorrem, por escrito, no exame de Português ou no blog, quando há jetlag entre a uma e as duas da manhã - não há, portanto, razão para alarme.

P.s.2 Normalmente, aquilo que quero dizer já alguém disse. Na maior parte dos casos, bem melhor:

"Os amigos. Entrariam por uma casa em chamas para nos salvarem. Mentem por nós à nossa própria mãe. Sabem de nós mais do que somos capazes de lhes dizer. Jurariam que à hora do crime estávamos a tomar chá com eles. Mesmo que a polícia nos encontrasse com as mãos cheias de sangue. «São rosas, senhores. Andei toda a tarde a cortar rosas, senhores. Sangue de espinhos, senhores.» Eles exigem-nos coisas de nada. As nossas lágrimas. O nosso lenço de assoar. A pele dos nossos inimigos. As batatas fritas do nosso bife. A nossa melhor roupa, por uma noite. Exigem-nos tudo quanto nos dão. É preciso regá-los regularmente: e é nos ombros deles que cai toda a água dos nossos olhos. Eles espevitam-nos o sentido de humor quando menos nos apetece. E DEPOIS FICAM CONNOSCO QUANDO AS LUZES SE APAGAM E TODA A GENTE SE FOI EMBORA. SÓ AOS AMIGOS É DADO O ESPECTÁCULO DA NOSSA MISÉRIA."

» Inês Pedrosa, A Instrução dos amantes